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28 de set. de 2012

Final Feliz

"... e eles viveram felizes para sempre. Fim"

E ele, após escrever e ler tais palavras no final de sua mais nova obra infantil, permitiu-se rir do clichê que todos ansiavam por ler. Ainda imaginando os suspiros vindo de menininhas - e por que não menininhos - em seus nove ou dez anos, e nos olhares esperançosos de seus pais quanto ao futuro de tais criancas, tomou mais um gole de sua taça de Solaia (presente de seu namorado) ainda com um sorrriso nos lábios. Ele acabara seu mais novo sucesso de vendas. Seu mais novo best-seller dos contos infantis, tão previsivel, mas tão aclamado.

Foi-se o tempo em que ele pensara em como, ao criar finais felizes em suas historias, cegava seus pequenos leitores para uma realidade dura e cruel. Por mais fama que tivesse, por mais prestígio, seus livros mais 'realistas' foram fracassos de vendas e pouco procurados por escolas ou até mesmo contadores de histórias. "Sao apenas crianças", "o mundo real é cruel demais", "nós devemos protegê-las disso" e mais tantas outras frases que seus criticos o haviam dito já não o afetavam mais. Entretanto, sua verdade não pagava suas contas e sua arte, por mais que sincera fosse, era abafada numa sociedade de ilusões. A mentira paga muito melhor do que a realidade.

Talvez o mundo precisasse mesmo de mais fantasia, de mais sonhos. Mas isso nunca deixara de escrever. Nos livros antigos, o principe foi feliz com o príncipe do reino vizinho, construiram um reinado de paz e findaram uma guerra secular espalhando seu amor. E a donzela que conseguiu escapar da torre de sua madrasta simplesmente por ser esperta demais e auto-suficiente também fez muitos amigos pela estrada, mesmo sem ter esperado nenhum príncipe regatá-la. E tantos outros que também tiveram um final feliz. Os poucos leitores de tais obras perceberam a felicidade nos personagens. Talvez não fosse o final feliz esperado. Ou talvez nem todos conseguissem compreender que felicidade não possui uma forma, um padrão.

E ao findar sua taça de vinho, salvou seu arquivo e o enviu a seu editor. Em poucas semanas de revisão, já o publicaria e, certamente seria um sucesso de críticas e vendas. Deixaria que finais aceitos como felizes fossem contados e apreciados por quem quer que fosse. Já tinha uma nova história ainda por escrever na Itália e muitos outros críticos e editores -esses não só de uma editora- a rebater durante o processo. Acordou de seus devaneios com o toque de seu celular, que estava perto da taça, mostrando uma foto que ele reconhecia com um sorriso no rosto. Com toda a certeza, ele teria seu final feliz.

18 de fev. de 2012

É carnaval

Leroy Neiman - Carnaval Suite Passistas
E mais uma vez é fevereiro, e mais uma vez você não vai conseguir sair de casa à noite sem que algum folião tente te asfixiar com aquela espuma em lata ou te jogar confete na cara ao som de uma marchinha desconhecida. É carnaval.
Vou pular a parte de que a festa na avenida gera visibilidade, lucro e emprego pro país. Até porque esse tipo de visibilidade, o de mulheres -e homens- semi ou completamente nuas sambando pra não-sei-quantos milhões de pessoas, é um dos culpados pelo chamado turismo sexual ser tão arraigado no país; o lucro, exceto pela indústria hoteleira, é quase que todo revestido pras escolas (o que, basica e economicamente falando, não gera lucro nenhum); sobre os empregos... Bom, se você acha que o montador dos carros alegóricos, o puxador dos mesmos, o camelô que vende os leques, chapéus e bandanas das escolas e até a tia que vende refri e cerveja quente na arquibancada têm carteira assinada e todos os seus direitos trabalhistas garantidos, pelo menos a fantasia de Alice ou de Bozo te caem muito bem neste carnaval.
Mas isso todo mundo sabe e prefere esconder entre as plumas e paetês tão típicos da festa (que, originalmente, não tinha nada disso). O mais legal é ver aquele povo chato e nariz empinado da firma,escola, escritório e afins, que jura conhecer todas as músicas da Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Velozo, Gilberto Gil e Chico Buarque de cor ( a letra sim, mas duvido que entendam o significado de algumas), virar  fãs de carteirinha de Michel Teló ou Gustavo Lima durante os dias de folia . Nada contra os artistas citados, o meu contra é pra esse povo que se elitiza demais durante o ano todo, criticando o povão e seus ídolos, para, em dias de festa e fantasia, se misturar com a gentalha que tanto costumava criticar. Fazendo, assim, do feriado a única alforria da caretice e também passe livre pra hipocrisia. Não, não os condeno por ouvirem e dançarem o ‘Ai se eu te pego’ ou o ‘Tche (99x)’. Condeno-os sim, por não deixarem que essa folia os ensine a ser gente, ser mais feliz e de bem com a vida e menos crítico com o gosto e a felicidade alheia. Condeno-os, principalmente, por, após todo esse confete, serpentina e muita farra, guardar a fantasia de ser humano no fundo de um guarda-roupa.