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30 de nov. de 2011

Ele já estava pronto

Por muitas vezes ele havia enfrentado o mundo inteiro e a sociedade em que vivia somente para poder continuar a ser verdadeiro consigo mesmo. Sentia-se estranho, deslocado, humilhado e menosprezado ao notar o olhar de reprovação de algumas pessoas enquanto passava pela rua, ou até mesmo dentro de casa. E, admirando agora uma de suas fotografias daquela época, ele até que se saiu muito bem.

Apesar do medo, sempre mostrou-e como era: gente. E mesmo que muitas vezes tivesse de apertar o passo, correr ou entrar em lojas ou outros locais públicos para se proteger dos que não o compreendiam -ou não se compreendiam e o tomavam por bode expiatório- nunca se escondeu.

Apesar de a sociedade aceitar muito melhor mentirosos, falsos e subjulgados, e de sua família tentar convencê-lo de que uma divindade justa o aceitaria melhor se ele fingisse ser outro alguém, ele ainda preferia ser verdadeiro, puro, ele.

Sabia que o preço seria pago com muitas portas fechadas, muitos olhares reprovadores e, de certo modo, a vida o preparou.

Passou a usar óculos escuros para não mostrar o quanto se machucava com a rejeição, e aprendeu a superá-la. Estudou, se dedicou e mostrou que as portas fechadas se abrem e estendem seus melhores tapetes para o talento e a dedicação. Criou e cuido bem de cada um dos seus amigos, construindo assim, sua nova família. E sobreviveu.

E enquanto guardava a foto daquele tempo junto com outras lembranças na caixa de mudança, do tempo em que as fotos não mostravam um sorriso, ele mostrava uma fina, feliz e saudosa fileira branca nos lábios ao olhar para si mesmo pelo reflexo do vidro. Tão diferente e, essencialmente, o mesmo.

E, assim, voltava a empacotar suas coisas; deveria estar pronto até o meio-dia, quando o caminhão levaria tudo para sua nova casa enquanto ele dirigiria até o centro da cidade e partiria para o cartório oficializar seu casamento, sua felicidade.

Ele já estava pronto.